Este é um conto da obra: Relíquias de Casa
Velha de Machado de Assis. Livro de domínio público disponível no site: file:///C/site/livros_grátis/contos_diversos.htm
.
Joaquim Maria Machado de Assis, nasceu no Rio
de Janeiro, RJ, em 21 de junho de 1839, onde faleceu em 29 de setembro de 1908.
É o fundador da Cadeira nº 23 da Academia Brasileira de Letras. Ocupou por mais
de dez anos a presidência da A.B.L.
Cândido Neves, Candinho em família, era casado
com Clara e os dois moravam, de favor, com a tia dela numa casa alugada. Ele
tinha por ofício, depois de ter tentado muitas outras profissões, sem êxito, a
ocupação de capturar escravos fugidos em troca de recompensa. Mas os tempos
eram difíceis, os fugitivos eram escassos e a concorrência era muito grande. Os
três; Candinho, Clara e tia Mônica, estavam passando por momentos difíceis
quando souberam que Clara estava grávida. Apesar de esta trabalhar dobrado em
suas costuras, não conseguia ajudar a família a sair da situação em que se
encontrava. Para piorar as coisas, quando o bebê nasceu, eles receberam ordem
de despejo por conta dos aluguéis atrasados. Sem outro recurso, eles foram
morar num porão, por caridade de uma velha amiga da tia.
A tia Mônica, alegando que eles não teriam como
sustentar a criança, sugeriu que levassem o recém-nascido à Roda dos
enjeitados. Candinho, que estava contente, ficara, ao mesmo tempo, desesperado,
pois a tia praticamente o obrigava a se livrar do filho, e se ele não o fizesse
ela mesma o faria; afirmava ela. Entretanto, como chovia muito, ele decidiu que
levaria o menino no dia seguinte. Naquela longa noite ele reviu todas suas notas
de escravos fugidos. Um dos anúncios lhe despertou interesse, era o de uma
mulata. Pagariam cem mil-réis por sua captura. Cândido Neves passou o dia a
procurá-la, em vão. Finalmente chegou a inadiável hora de abandonar a
criança. Candinho procurou fazer o caminho mais longo possível até a Rua dos
Barbonos. Foi quando, inesperadamente, ele avistou a mulata fujona em uma das
ruas do bairro. Num impulso instintivo, Cândido deixou seu filho numa farmácia
ao lado e partiu em sua perseguição. A fugitiva não se entregou sem resistência.
Mas foi levada ao seu dono assim mesmo. No caminho, a mulher se debatia e
implorava para que a deixasse partir, revelando que estava grávida. Candinho
nem ligou, arrastou-a brutalmente e a entregou no local indicado pelo
anúncio... e recebeu a tão cobiçada recompensa. No chão, entre o medo e a dor ,
depois de algum tempo de luta, a escrava abortou. Cândido Neves não se comoveu
com a dor da negra, seus pensamentos estavam no seu filho que havia ficado com
o farmacêutico. Ao voltar, aquele pai se lançou sobre seu filho com a mesma
fúria com que capturara a negra fujona, só que fúria de amor. Cândido com o
menino nos braços, mal agradeceu ao benfeitor e partiu depressa, não para a
Roda dos enjeitados, mas para casa.
Após ouvir as explicações de Candinho, e
principalmente pelos cem mil, a tia Mônica perdoou a volta do pequeno. Cândido,
feliz com seu filho nos braços, abençoou a fuga e nem se lhe dava do aborto.
“Nem todas as crianças vingam, bateu-lhe o coração”.
Aquele
pai tudo fez para ficar com seu filho e não se deu conta de que uma mãe ficara sem o filho dela. A
felicidade daquele dependera da infelicidade da desafortunada mãe.
Os
valores morais da época permitiam que esse tipo de situação fosse considerada
normal.
JOSENILTON DE SOUSA E SILVA - acadêmico de direito da Faculdade UNAERP Guarujá.
JOSENILTON DE SOUSA E SILVA - acadêmico de direito da Faculdade UNAERP Guarujá.
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