A história da boa-fé tem raízes no Direito Romano e inicia-se com a sua previsão no Código Civil Francês de 1804 como noção
fundamental do Direito dos contratos, o que não se seguiu com os juristas da
geração seguinte, posto que havia o reconhecimento da autonomia da vontade como
dogma absoluto e também pelo receio da arbitrariedade do juiz. Por longo tempo
evitou-se a inclusão nos textos legais de expressões como a da boa-fé,
tidas como vagas e imprecisas.
Foi
no Direito Germânico, no entanto, que tivemos a inovação de previsão do princípio da boa-fé
objetiva, como hoje a concebemos. A boa-fé na Alemanha atingiu o status de
princípio geral e absoluto, aplicável a todas as relações obrigacionais, em
especial com a inovação trazida pelo parágrafo 242 Código Civil Alemão (BGB),
que assim dispõe:
"o devedor está
adstrito a realizar a prestação tal como
o exija a boa-fé, com consideração pelos costumes do tráfego".
Já o Código italiano possui uma norma que estabelece
que, no desenvolvimento das tratativas e na formação do contrato, as partes
devem portar-se com boa-fé. Importa, pois examinar o elemento subjetivo
em cada contrato, ao lado da conduta objetiva das partes. A parte
contratante pode estar já, de início, sem a intenção de cumprir o contrato,
antes mesmo de sua elaboração. Ou a vontade de descumprir pode ter surgido após
o contrato. Ou pode ocorrer que a parte, posteriormente, veja-se em situação de
impossibilidade de cumprimento. Cabe ao juiz examinar em cada caso se o
descumprimento decorre de boa ou má-fé. Fica fora desse exame o caso fortuito e
a força maior, que podem ter reflexos no descumprimento do contrato. Na análise
do princípio da boa-fé dos contratos devem ser examinadas as condições em que o
contrato foi firmado, o nível socio-cultural dos contratantes, o momento
histórico e econômico.
O novo Código Civil Brasileiro, por sua vez, erige cláusulas gerais como as dos arts. 421 e 422, que fazem referência ao princípio basilar da boa-fé
objetiva, in verbis.
Art.421: “A
liberdade de contratar será exercido em razão e nos limites da função social do
contrato”.
ART.422: “Os
contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em
sua execução, os princípios da probidade e da boa-fé”.
O
Código de Defesa do Consumidor, Lei 8068 de 1990, veio sagrar princípios que visam a concretizar três importantes
diretrizes nas relações contratuais de consumo que são: a) a socialidade, em que o
individualismo clássico dá vez à função social do contrato; b) a
efetividade, procurando transformar o Direito em instrumento eficaz de
realização da Justiça; e c) a reticidade, através da qual se exige a
boa-fé objetiva desde a oferta ou promessa de contratação até a fase posterior
à execução do contrato. O CDC, em suma, exige a aplicação do princípio da boa-fé em
todas as fases do contrato. Nesse sentido, preceitua o artigo 4º:
Art. 4º. A Política
Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das
necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a
proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida,
bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos aos
seguintes princípios:
(…)
III – harmonização dos
interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da
proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e
tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170,
da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações
entre consumidores e fornecedores.
Ainda,
conforme visto acima, o princípio da boa-fé (estampado no artigo 4º do CDC), ao
mesmo tempo em que confere proteção ao consumidor, visa a assegurar a
concretização dos ditames constitucionais de desenvolvimento da ordem
econômica.
De
fato, a boa-fé tem como parâmetro a expectativa de conduta do homem médio e
exerce dupla função na formação das obrigações, quais sejam: a) a de fonte
de novos deveres e b) a de limitação do exercício, antes lícito, hoje
abusivo, dos direitos subjetivos.
Tanto na boa-fé subjetiva, quanto na boa-fé objetiva, existe um elemento que é a confiança de alguém que
acreditou em algo, mas somente na objetiva existe um segundo elemento, que é o
dever de conduta de outrem. Assim, boa-fé objetiva é, ao mesmo tempo, dever de
lealdade e de correção à qual se contrapõe a sua ausência. As obrigações são o
principal campo de aplicação dessa boa-fé que, especificamente, traduz-se no
dever de cada parte agir de forma a não defraudar a confiança da outra parte.
A
expressão "boa-fé subjetiva", entretanto, denota "estado de
consciência", ou convencimento individual de a parte obrar em
conformidade com o direito, sendo aplicável, em regra, ao campo dos direitos reais,
especialmente em matéria possessória. Diz-se "subjetiva" justamente
porque, para a sua aplicação, deve o intérprete considerar a intenção do
sujeito da relação jurídica, o seu estado psicológico ou íntima convicção. Inversa à boa-fé subjetiva está a má-fé, também vista subjetivamente como a
intenção de lesar outrem.
São
passíveis de anulação, dessa forma, aquelas cláusulas tidas como abusivas, dentre as quais
encontram-se as que não obedecem ao dogma da boa-fé. São também passíveis de anulação os deveres decorrentes da sua efetiva aplicação. Assim preceitua o CDC sobre o assunto:
Art.51. São nulas de pleno
direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento dos
produtos e serviços que:
(…)
IV- estabeleçam obrigações
consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem
exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade.
CONCLUSÃO
Por
boa-fé entende-se a honestidade, a transparência, a lealdade e a expectativa de
que as partes ajam de acordo com os fins a que se destina o contrato, tendo em
vista não apenas a constatação por uma delas de que está agindo consoante o seu
próprio direito, mas a verificação de que não está ferindo a esfera de direitos
de outrem.
Então,
para que o negócio jurídico seja validado não basta, apenas, que se observe o
disposto no art. 104 do CC: I – agente capaz; II – objeto lícito possível e
determinado ou determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei,
mas também, que os agentes emissores da vontade sejam legitimados para tal e se
manifestem com liberdade e, de boa-fé.
Referências bibliográficas:
ORLANDO GOMES. Contratos, Editora Forense Rio de
Janeiro, 2002 – 25ª edição –
Biblioteca UNAERP.
Citações inseridas no site Jus Navigandi, dos
doutrinadores:
CARVALHO,
Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de.
FARIAS, Cristiano Chaves.
GRINOVER, Ada Pellegrini et al.
JOSENILTON DE SOUSA E SILVA - acadêmico de direito da Faculdade UNAERP Guarujá.
JOSENILTON DE SOUSA E SILVA - acadêmico de direito da Faculdade UNAERP Guarujá.
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