sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

PRINCÍPIO DA BOA FÉ NOS CONTRATOS

A história da boa-fé tem raízes no Direito Romano e inicia-se com a sua previsão no Código Civil Francês de 1804 como noção fundamental do Direito dos contratos, o que não se seguiu com os juristas da geração seguinte, posto que havia o  reconhecimento da autonomia da vontade como dogma absoluto e também pelo receio da arbitrariedade do juiz. Por longo tempo evitou-se a inclusão nos textos legais de expressões como a da boa-fé, tidas como vagas e imprecisas.
Foi no Direito Germânico, no entanto, que tivemos a inovação de previsão do princípio da boa-fé objetiva, como hoje a concebemos. A boa-fé na Alemanha atingiu o status de princípio geral e absoluto, aplicável a todas as relações obrigacionais, em especial com a inovação trazida pelo parágrafo 242 Código Civil Alemão (BGB), que assim dispõe:
"o devedor está adstrito a realizar a  prestação tal como o exija a boa-fé, com consideração pelos costumes do tráfego".
Já o Código italiano possui uma norma que estabelece que, no desenvolvimento das tratativas e na formação do contrato, as partes devem portar-se com boa-fé. Importa, pois examinar o elemento subjetivo em cada contrato, ao lado da conduta objetiva das partes. A parte contratante pode estar já, de início, sem a intenção de cumprir o contrato, antes mesmo de sua elaboração. Ou a vontade de descumprir pode ter surgido após o contrato. Ou pode ocorrer que a parte, posteriormente, veja-se em situação de impossibilidade de cumprimento. Cabe ao juiz examinar em cada caso se o descumprimento decorre de boa ou má-fé. Fica fora desse exame o caso fortuito e a força maior, que podem ter reflexos no descumprimento do contrato. Na análise do princípio da boa-fé dos contratos devem ser examinadas as condições em que o contrato foi firmado, o nível socio-cultural dos contratantes, o momento histórico e econômico.
O novo Código Civil Brasileiro, por sua vez, erige cláusulas gerais como as dos arts. 421 e 422, que fazem referência ao princípio basilar da boa-fé objetiva, in verbis.
Art.421: “A liberdade de contratar será exercido em razão e nos limites da função social do contrato”.
ART.422: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e da boa-fé”.
O Código de Defesa do Consumidor, Lei 8068 de 1990, veio sagrar princípios que visam a concretizar três importantes diretrizes nas relações contratuais de consumo que são: a) a socialidade, em que o individualismo clássico dá vez à função social do contrato; b) a efetividade, procurando transformar o Direito em instrumento eficaz de realização da Justiça; e c) a reticidade, através da qual se exige a boa-fé objetiva desde a oferta ou promessa de contratação até a fase posterior à execução do contrato. O CDC, em suma, exige a aplicação do princípio da boa-fé em todas as fases do contrato. Nesse sentido, preceitua o artigo 4º:
Art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos aos seguintes princípios:
              (…)
III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.
Ainda, conforme visto acima, o princípio da boa-fé (estampado no artigo 4º do CDC), ao mesmo tempo em que confere proteção ao consumidor, visa a assegurar a concretização dos ditames constitucionais de desenvolvimento da ordem econômica.           
De fato, a boa-fé tem como parâmetro a expectativa de conduta do homem médio e exerce dupla função na formação das obrigações, quais sejam: a) a de fonte de novos deveres e b) a de limitação do exercício, antes lícito, hoje abusivo, dos direitos subjetivos.
Tanto na boa-fé subjetiva, quanto na boa-fé objetiva, existe um elemento que é a confiança de alguém que acreditou em algo, mas somente na objetiva existe um segundo elemento, que é o dever de conduta de outrem. Assim, boa-fé objetiva é, ao mesmo tempo, dever de lealdade e de correção à qual se contrapõe a sua ausência. As obrigações são o principal campo de aplicação dessa boa-fé que, especificamente, traduz-se no dever de cada parte agir de forma a não defraudar a confiança da outra parte.
A expressão "boa-fé subjetiva", entretanto, denota "estado de consciência", ou convencimento individual de a parte obrar em conformidade com o direito, sendo aplicável, em regra, ao campo dos direitos reais, especialmente em matéria possessória. Diz-se "subjetiva" justamente porque, para a sua aplicação, deve o intérprete considerar a intenção do sujeito da relação jurídica, o seu estado psicológico ou íntima convicção. Inversa à boa-fé subjetiva está a má-fé, também vista subjetivamente como a intenção de lesar outrem.
São passíveis de anulação, dessa forma, aquelas cláusulas tidas como abusivas, dentre as quais encontram-se as que não obedecem ao dogma da boa-fé. São também passíveis de anulação os deveres decorrentes da sua efetiva aplicação. Assim preceitua o CDC sobre o assunto:
Art.51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento dos produtos e serviços que:
              (…)
IV- estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade.


CONCLUSÃO

Por boa-fé entende-se a honestidade, a transparência, a lealdade e a expectativa de que as partes ajam de acordo com os fins a que se destina o contrato, tendo em vista não apenas a constatação por uma delas de que está agindo consoante o seu próprio direito, mas a verificação de que não está ferindo a esfera de direitos de outrem.
Então, para que o negócio jurídico seja validado não basta, apenas, que se observe o disposto no art. 104 do CC: I – agente capaz; II – objeto lícito possível e determinado ou determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei, mas também, que os agentes emissores da vontade sejam legitimados para tal e se manifestem com liberdade e, de boa-fé.
           
Referências bibliográficas:

ORLANDO GOMES. Contratos, Editora Forense Rio de Janeiro, 2002 –            25ª edição – Biblioteca UNAERP.

           Citações inseridas no site Jus Navigandi, dos doutrinadores:
  CARVALHO, Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de.
            FARIAS, Cristiano Chaves.
            GRINOVER, Ada Pellegrini et al. 

JOSENILTON DE SOUSA E SILVA - acadêmico de direito da Faculdade UNAERP Guarujá.

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