O conto Conversa
de bois faz parte de Sagarana, obra escrita em 1946 por Guimarães Rosa que,
então, aparecia como escritor. Nesta, ele apresenta a paisagem e o homem de sua
terra numa linguagem exclusiva. Ele fez de Sagarana a semente de uma obra cujo
sentido e alcance ainda estão longe de ser inteiramente decifrados. Também
fazem parte desta obra os contos: O burrinho pedrês, A volta do marido pródigo,
Duelo, Corpo fechado e A hora e a vez de Augusto Matraga. EDITORA NOVA
FRONTEIRA S/A RJ – 40ª edição - 386 pg.
O escritor Guimarães Rosa foi
considerado por muitos como um autor inqualificável, a não ser na categoria de
gênio. É um escritor, por seus experimentos linguísticos sua técnica e
inventividade, o mais completo e renovador da nossa ficção. Nasceu em 1908 no
interior de Minas Gerais e faleceu no Rio de Janeiro a 19 de novembro de 1967.
Seu último livro publicado em vida foi Tutaméia.
Manuel Timborna, o Timborninha das Porteirinhas, diz e afirma que os animais falam. Principalmente os bois, de quem ouviu a história que conta enfeitando e acrescentando ponto e pouco. Tiãozinho, um guia de
carro-de-boi, era um menino sofrido na mão de seu patrão, o carreiro Agenor
Soronho. O pai de Tião, que era velho, cego e doente, morrera durante a noite
depois de uma longa reza. Descansara. Sua jovem mãe, chorosa, não devia estar
dessa forma, pois, não gostava do velho e vivia de gracejos e cochichos com
Soronho, um homem rude que deixara transparecer uma certa felicidade com a
passagem do moribundo. Por ser longe o local do sepultamento, e já que iriam
levar uma carga de rapaduras para as bandas da cidade, resolveram, então, levar
o defunto em cima da carga. E assim foi feito. O ajudante de carreiro, coitado,
foi à frente das juntas de bois, como sempre fazia, enquanto o patrão picava
uma vara comprida nos animais e xingava o menino, só por maldade. Os bois
conversavam entre si e iam ruminando a raiva que sentiam pelos homens e em
particular pelo seu carreiro maldoso. E pouco a pouco foram se solidarizando
com o pequeno bezerro-de-homem que sofria com os maus tratos daquele homem-mau.
A viagem foi dura com grandes dificuldades e obstáculos. Todos estavam
cansados. O corpo que jazia desajeitado sobre a carga, quase caía com os
solavancos e com as subidas-e-descidas da estrada. Os animais, conversando na
língua deles, tramavam derrubar o seu Agenor que cochilava na beirada da
carroça. De repente, sem explicação, meio sonolento, o pequeno órfão deu um
grito assustado e saltou de lado. Os bichos desembestaram sobre os pedregulhos
derrubando o homem debaixo da roda de madeira dura. Morreu ali mesmo. Não tive
culpa: gritava o petiz. Uns cavaleiros que passavam ali por perto ajudaram a
controlar as juntas e a colocar mais um passageiro inerte em cima do carro.
Então, os bois, o menino, o carro-de-boi, todos seguiram mais aliviados
com a morte do maldoso patrão. Mas eles não o achavam ruim de todo, no fundo no
fundo ele era um homem bom. E a comitiva
doce e fúnebre seguiu gemendo para entregar as encomendas.
Esta é uma história que poderia perfeitamente ser verídica, se não fosse
pela conversa dos bois-de-carro. Nesta o autor descreve cada minúcia da
paisagem de forma a transportar o leitor ao local dos fatos com grande
verossimilhança.
JOSENILTON DE SOUSA E SILVA - acadêmico de direito da Faculdade UNAERP Guarujá.
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