terça-feira, 12 de junho de 2012

Boca do Inferno Resenha do livro

                O romance  Boca do Inferno foi escrito por Ana Miranda, e publicado pela editora; Companhia das Letras - São Paulo em 1990.  Foi baseado em pesquisas feitas em dezenas de publicações de 1901 a 1988, sobre a vida e obra de Gregório de Matos e Guerra, “O Boca do Inferno”, e de Padre Antonio Vieira, o jesuíta, também em outras obras que versam sobre a História do Brasil, de Portugal e documentos escritos pelos jesuítas, no século XVII, e outros manuscritos da época.  Foi traduzido para diversos países e tem servido de base para estudos do barroco mineiro.  Em seu lançamento, recebeu o prêmio Jabuti de revelação do ano.
           A autora Ana Miranda é cearense, foi criada em Brasília e mora no Rio de Janeiro desde 1969.  Iniciou sua vida literária em 1978 com a publicação de um livro de poemas, e ao longo de sua carreira publicou diversos romances como;  O retrato do rei (1991), Sem pecado (1993), A última quimera (1995), Desmundo (1996) e outros.

A Bahia do século XVII era uma cidade ainda com partes em ruínas decorrentes das guerras contra as invasões holandesas.  Suas ruas cheias de ladeiras e sujas abrigavam, além do lixo, muitos malfazejos, prostitutas e afins.  Costumava-se dizer que não havia um grande criminoso em Salvador, porque todos eram um pouco criminosos.
 No Brasil colônia, os governadores de províncias tinham poderes extremos e  abusavam desse poder.  E juntamente com sua corja, saqueavam os cofres públicos  deixando o povo em total miséria e desamparo.  O governador Antonio de Souza de Menezes, “O Braço de Prata”, era um tirano e a quem ousasse discordar de sua política eram reservados a brutalidade e o terror.  Contra essas forças só restavam o inconformismo de um grupo de opositores liderados pelos Ravasco, parentes de padre Vieira, e as palavras cortantes de Gregório de Matos, poeta, cujas publicações afrontavam os poderosos com sátiras ridicularizantes contendo palavras de baixo calão que exaltavam o que havia de pior em cada um, tanto do governo, como também da igreja.
Por vingança a um atentado sofrido há pouco tempo, Antônio de Brito junto com mais sete amigos emboscaram, mataram e deceparam a mão do Alcaide-Mor Francisco Teles de Menezes, que era “braço direito” do governador.  Para substitui-lo fora nomeado o seu irmão Teles de Menezes.  E iniciou-se uma perseguição implacável aos criminosos, que inicialmente se esconderam no Colégio Jesuíta.  O governador invadiu o colégio e prendeu Antonio de Brito, mas os outros conseguiram escapar.  Brito foi torturado na masmorra e delatou todos do grupo, que eram: André de Brito, Gonçalo Ravasco, Antonio Rolim, Manuel França, João de Couros, Luiz Bonicho, e o último não se tinham certeza se era Bernardo Ravasco ou Gregório de Matos.  Gonçalo Ravasco, em fuga, confiou a mão embrulhada do finado à Ana Berco, dama de companhia de sua irmã Bernardina, para que ela jogasse em algum lugar longínquo sem olhar o conteúdo do pacote, mas, por sua curiosidade e por algumas trapalhadas ela acabou ficando com o anel que estava na mão decepada do Alcaide-Morto.  Foi descoberta e presa por isto, mais tarde Gregório de Matos, que se apaixonara por ela, consegui tirá-la da cadeia, mas nunca pôde tê-la como amante.  Ana Berco era esposa do avarento e muito mais velho João Berco, que ao falecer lhe deixou uma pequena fortuna.  Não lhe faltaram pretendentes, mas ela jamais se casou novamente.
O padre Antonio Vieira era um Ravasco, por isso e por que se opunha ferozmente ao regime do governador tirano, foi perseguido e acusado injustamente de ser co-autor do crime do Alcaide.  Seu irmão Bernardo foi destituído do cargo público que ocupava e preso.  Vieira era muito influente com o clero e, do exílio enviou cartas e relatórios ao reino descrevendo os fatos escabrosos que ocorriam na colônia, inclusive citando a invasão de solo sagrado. 
Gregório de Matos era chamado de  “Boca do Inferno”, por causa de suas sátiras desmedidas que não poupavam nenhum poderoso do ridículo nem do esculacho.  Estudou na Universidade de Coimbra onde se formou advogado e na Bahia exercia um cargo de desembargador e tesoureiro da Sé.  Vivia se embebedando e metido com prostitutas, mas a que mais lhe atraia era a cafetina Anica de Melo que era apaixonada por ele e com quem ficou por muito tempo.
Enquanto não se tinha resposta das cartas de padre Vieira, os jurisconsultos brasileiros ordenaram que se fizesse uma devassa no caso do assassinato do Alcaide e em tudo que estava ocorrendo paralelamente.  Foi designado para a tarefa o desembargador Rocha Pita que descobriu que não havia provas concretas contra Bernardo Ravasco nem contra padre Vieira, mandando soltar imediatamente o primeiro, porém, o governador, irritado, o expatriou.
Finalmente com a chegada da frota portuguesa, vieram, as ordens do reino para anistiar e restituir o cargo a Bernardo Ravasco e para destituir o governador Antonio de Souza que teve que partir imediatamente para Portugal, não sem levar muitas malas cheias de pilhagens.  Foi nomeado para o seu lugar o Marquês de Piva.  Finda a perseguição do Braço de Prata, os Ravasco puderam respirar aliviados e Bernardo e seu filho Gonçalo voltaram para o Brasil.   
Gregório de Matos voltou a advogar e continuou satirizando os governos que  sucederam o Braço de Prata, por isso, foi novamente perseguido, preso e deportado para Angola.  Ao ficar sabendo do degredo, Anica de Melo partiu ao seu encontro, mas o navio em que estava naufragou e ela morreu afogada a poucas  léguas do seu amor, sem que ele jamais soubesse do seu destino.  Em Angola, Gregório conseguiu a liberdade por serviços prestados ao príncipe e voltou para o Brasil, não para a Bahia, mas para Pernambuco, onde voltou novamente a advogar, porém foi proibido de escrever suas sátiras.  Morreu aos 59 anos vítima da “febre”.  Seus escritos foram publicados por ordem do governador João de Lencastre e fez um grande sucesso.
O Padre Antonio Vieira continuou a escrever seus sermões denunciando a ganância mercantilista e a hipocrisia da igreja.  Morreu completamente cego e parcialmente surdo, mas deixou obras valiosas.
A Bahia cresceu e modificou-se, mas haveria de ser, para sempre, um cenário de pecado e lascívia onde viveu o maior dos boêmios; Gregório de Matos.  

Esta é uma obra intrigante com certa dificuldade de compreensão, no início, por causa de seu vocabulário um tanto complicado que requer um pouco mais de atenção, mas aos poucos o leitor vai se adaptando ao contexto e a leitura torna-se instigante. Acima de tudo a obra exalta a forma despojada, lasciva, vulgar, depravada, corajosa, despudorada, rica em sinônimos e palavras de baixo calão, mas, verdades cruas que  incomodavam mais pelo que dizia do que como dizia Gregório de Matos, o “Boca do Inferno”.   

 JOSENILTON DE SOUSA E SILVA - acadêmico de direito da Faculdade UNAERP Guarujá.

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