O romance Boca do
Inferno foi escrito por Ana Miranda, e publicado pela editora;
Companhia das Letras - São Paulo em 1990.
Foi baseado em pesquisas feitas em dezenas de publicações de 1901 a
1988, sobre a vida e obra de Gregório de Matos e Guerra, “O Boca do Inferno”, e
de Padre Antonio Vieira, o jesuíta, também em outras obras que versam sobre a
História do Brasil, de Portugal e documentos escritos pelos jesuítas, no século
XVII, e outros manuscritos da época. Foi
traduzido para diversos países e tem servido de base para estudos do barroco
mineiro. Em seu lançamento, recebeu o
prêmio Jabuti de revelação do ano.
A
autora Ana Miranda é cearense, foi criada em Brasília e mora no Rio de Janeiro
desde 1969. Iniciou sua vida literária
em 1978 com a publicação de um livro de poemas, e ao longo de sua carreira
publicou diversos romances como; O
retrato do rei (1991), Sem pecado (1993), A última quimera (1995), Desmundo
(1996) e outros.
A Bahia do século XVII era uma cidade ainda com partes em ruínas decorrentes das guerras contra as invasões holandesas. Suas ruas cheias de ladeiras e sujas abrigavam, além do lixo, muitos malfazejos, prostitutas e afins. Costumava-se dizer que não havia um grande criminoso em Salvador, porque todos eram um pouco criminosos.
No Brasil colônia, os governadores de
províncias tinham poderes extremos e
abusavam desse poder. E
juntamente com sua corja, saqueavam os cofres públicos deixando o povo em total miséria e
desamparo. O governador Antonio de Souza
de Menezes, “O Braço de Prata”, era um tirano e a quem ousasse discordar de sua
política eram reservados a brutalidade e o terror. Contra essas forças só restavam o
inconformismo de um grupo de opositores liderados pelos Ravasco, parentes de
padre Vieira, e as palavras cortantes de Gregório de Matos, poeta, cujas
publicações afrontavam os poderosos com sátiras ridicularizantes contendo
palavras de baixo calão que exaltavam o que havia de pior em cada um, tanto do
governo, como também da igreja.
Por vingança a
um atentado sofrido há pouco tempo, Antônio de Brito junto com mais sete amigos
emboscaram, mataram e deceparam a mão do Alcaide-Mor Francisco Teles de
Menezes, que era “braço direito” do governador.
Para substitui-lo fora nomeado o seu irmão Teles de Menezes. E iniciou-se uma perseguição implacável aos
criminosos, que inicialmente se esconderam no Colégio Jesuíta. O governador invadiu o colégio e prendeu
Antonio de Brito, mas os outros conseguiram escapar. Brito foi torturado na masmorra e delatou
todos do grupo, que eram: André de Brito, Gonçalo Ravasco, Antonio Rolim,
Manuel França, João de Couros, Luiz Bonicho, e o último não se tinham certeza
se era Bernardo Ravasco ou Gregório de Matos.
Gonçalo Ravasco, em fuga, confiou a mão embrulhada do finado à Ana
Berco, dama de companhia de sua irmã Bernardina, para que ela jogasse em algum
lugar longínquo sem olhar o conteúdo do pacote, mas, por sua curiosidade e por
algumas trapalhadas ela acabou ficando com o anel que estava na mão decepada do
Alcaide-Morto. Foi descoberta e presa
por isto, mais tarde Gregório de Matos, que se apaixonara por ela, consegui
tirá-la da cadeia, mas nunca pôde tê-la como amante. Ana Berco era esposa do avarento e muito mais
velho João Berco, que ao falecer lhe deixou uma pequena fortuna. Não lhe faltaram pretendentes, mas ela jamais
se casou novamente.
O padre
Antonio Vieira era um Ravasco, por isso e por que se opunha ferozmente ao
regime do governador tirano, foi perseguido e acusado injustamente de ser
co-autor do crime do Alcaide. Seu irmão
Bernardo foi destituído do cargo público que ocupava e preso. Vieira era muito influente com o clero e, do
exílio enviou cartas e relatórios ao reino descrevendo os fatos escabrosos que
ocorriam na colônia, inclusive citando a invasão de solo sagrado.
Gregório de
Matos era chamado de “Boca do Inferno”,
por causa de suas sátiras desmedidas que não poupavam nenhum poderoso do
ridículo nem do esculacho. Estudou na
Universidade de Coimbra onde se formou advogado e na Bahia exercia um cargo de
desembargador e tesoureiro da Sé. Vivia
se embebedando e metido com prostitutas, mas a que mais lhe atraia era a
cafetina Anica de Melo que era apaixonada por ele e com quem ficou por muito
tempo.
Enquanto não
se tinha resposta das cartas de padre Vieira, os jurisconsultos brasileiros
ordenaram que se fizesse uma devassa no caso do assassinato do Alcaide e em
tudo que estava ocorrendo paralelamente.
Foi designado para a tarefa o desembargador Rocha Pita que descobriu que
não havia provas concretas contra Bernardo Ravasco nem contra padre Vieira,
mandando soltar imediatamente o primeiro, porém, o governador, irritado, o
expatriou.
Finalmente com
a chegada da frota portuguesa, vieram, as ordens do reino para anistiar e
restituir o cargo a Bernardo Ravasco e para destituir o governador Antonio de
Souza que teve que partir imediatamente para Portugal, não sem levar muitas
malas cheias de pilhagens. Foi nomeado
para o seu lugar o Marquês de Piva.
Finda a perseguição do Braço de Prata, os Ravasco puderam respirar
aliviados e Bernardo e seu filho Gonçalo voltaram para o Brasil.
Gregório de
Matos voltou a advogar e continuou satirizando os governos que sucederam o Braço de Prata, por isso, foi
novamente perseguido, preso e deportado para Angola. Ao ficar sabendo do degredo, Anica de Melo
partiu ao seu encontro, mas o navio em que estava naufragou e ela morreu
afogada a poucas léguas do seu amor, sem
que ele jamais soubesse do seu destino.
Em Angola, Gregório conseguiu a liberdade por serviços prestados ao príncipe
e voltou para o Brasil, não para a Bahia, mas para Pernambuco, onde voltou
novamente a advogar, porém foi proibido de escrever suas sátiras. Morreu aos 59 anos vítima da “febre”. Seus escritos foram publicados por ordem do
governador João de Lencastre e fez um grande sucesso.
O Padre
Antonio Vieira continuou a escrever seus sermões denunciando a ganância
mercantilista e a hipocrisia da igreja.
Morreu completamente cego e parcialmente surdo, mas deixou obras
valiosas.
A Bahia
cresceu e modificou-se, mas haveria de ser, para sempre, um cenário de pecado e
lascívia onde viveu o maior dos boêmios; Gregório de Matos.
Esta é uma
obra intrigante com certa dificuldade de compreensão, no início, por causa
de seu vocabulário um tanto complicado que requer um pouco mais de atenção, mas
aos poucos o leitor vai se adaptando ao contexto e a leitura torna-se
instigante. Acima de tudo a obra exalta a forma despojada, lasciva, vulgar,
depravada, corajosa, despudorada, rica em sinônimos e palavras de baixo calão,
mas, verdades cruas que incomodavam mais
pelo que dizia do que como dizia Gregório de Matos, o “Boca do
Inferno”.
JOSENILTON DE SOUSA E SILVA - acadêmico de direito da Faculdade UNAERP Guarujá.
JOSENILTON DE SOUSA E SILVA - acadêmico de direito da Faculdade UNAERP Guarujá.
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