terça-feira, 3 de julho de 2012

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS IDEIAS PENAIS

INTRODUÇÃO

A relação social entre os homens, desde os primórdios, foi marcada pela violência, no entanto, o homem tem progredido através do desenvolvimento da razão, dom atribuído samente à espécie humana. Ele tem vivido sempre organizado em grupos ou sociedades, onde tem revelado o seu lado institivo: a agressividade. É aí que surge o Direito Penal, com o intuito de defender a coletividade e promover uma sociedade mais pacífica. Foi necessário, então, que se concebesse um sistema de leis garantido por um forte aparelho coercitivo. Surge assim, o "jus puniendi", poder-dever, cujo titular exclusivo é o Estado.
            Para melhor entender o Direito Penal, os historiadores dividiram o seu estudo em várias fases ou períodos. Todavia, esses períodos não se sucediam integralmente. Há uma certa alternância e interação dentre eles. Então, esses períodos foram  classificados mais pelas idéias que os caracterizaram. Foram assim denominados: Período da Vingança, Período Humanitário, e Período Científico ou Criminológico.

I – Períodos da Evolução Histórica do Direito Penal.

1.      Período da Vingança Penal. Teve início nos tempos primitivos, nas origens da humanidade e prolongou-se até o século XVIII. Nesses tempos, não havia um sistema orgânico de princípios gerais (códigos), já que os grupos sociais dessa época viviam num ambiente mágico e religioso. Fenômenos naturais como a peste, a seca, e erupções vulcânicas eram considerados castigos divinos, pela prática de atos que exigiam reparação. Vindita[1] divina. Não se sabe com certeza  de como ocorreu desde os primórdios. Mas o que se sabe é que se punia e sempre se puniu.
      A vingança penal, por sua vez, pode ser classificada em três fases a seguir:

a-Fase da vingança privada; "Olho por olho, dente por dente". Nesta fase, cometido um crime, ocorria a reação da vítima, dos parentes e até do grupo social (tribo), que agiam sem proporção à ofensa, atingindo não só ao ofensor, como a todo o seu grupo. A vingança privado constituía uma reação natural e instintiva  Embora com essa denominação, a vingança também poderia ser entendida como coletiva, pois as pessoas não defendiam só a si , mas ao grupo e à família, ou se defendiam em grupos para tornarem se mais fortes. A inexistência de um limite  no revide à agressão, bem como a vingança de sangue constituiu-se a mais freqüente forma de punição adotada pelos povos primitivos. 
Contudo, duas grandes regulamentações surgiram nesses tempos de vingança privada, foram o talião e a composição.
O talião foi adotado por vários documentos legais, revelando-se um grande avanço na história do Direito Penal. Não se tratava propriamente de uma pena, mas de um instrumento moderador da pena. Consistia em aplicar no delinquente ou ofensor o mal que ele causou ao ofendido, na mesma proporção. Limitando a abrangência da ação punitiva. O talião adotado no código de Hamurábi  “Art. 209 – Se alguém bate numa mulher livre e a faz abortar, deverá pagar dez siclos pelo feto". "Art. 210 – Se essa mulher morre, então deverá matar o filho dele". Também encontrado na Bíblia Sagrada: "Levítico 24, 17 – Todo aquele que feri mortalmente um homem será morto". Assim como na Lei das XII Tábuas. “Tábua VII, 11 – Se alguém fere a outrem, que sofra a pena de Talião, salvo se houver acordo"."Ut supra[2]".
Concomitante ao talião, surge a composição, através do qual o ofensor comprava sua liberdade com dinheiro, gado, armas, etc. A composição foi também adotada, pelos mesmos códigos que adotaram o talião. Foi largamente aceita pelo Direito Germânico, sendo a origem remota das indenizações cíveis e das multas penais.

b-Vingança Divina: Nesta fase começa-se a esboçar um poder de coesão social capaz de estabelecer condutas sob pena de castigos. A diferença é que aqui quem é ofendido pelas atividades delituosas são os deuses. E os agentes responsáveis pela punição são os sacerdotes. O princípio que domina a repressão é a satisfação da divindade, ofendida pelo crime. Pune-se com rigor, antes com notória crueldade, pois o castigo deve estar em relação com a grandeza do deus ofendido. Aqui, a religião atinge influência decisiva na vida dos povos antigos. Nesta fase o objetivo é a segurança do príncipe ou soberano, através da pena, também severa e cruel, visando à intimidação. Pode-se afirmar que, no Antigo Oriente a religião confundia-se com o Direito, e, assim, os preceitos de cunho meramente religioso ou moral, tornavam-se leis em vigor. Legislação típica dessa fase é o Código de Manu, mas essas mesmas idéias foram percebidas na Babilônia (Lei das XII tábuas), no Egito (Cinco Livros), na China (Livro das Cinco Penas), na Pérsia (Avesta) e pelo povo de Israel (Pentateuco).
Conforme fora dito, as fases dos tipos de vingança se entrelaçavam no tempo.
A exemplo do que ocorreu com as fases da Vingança Divina e da Vingança Pública, que foram concomitantes e evoluíram juntas já que, na Idade Média, o poder do Estado estava nas mãos dos religiosos. 

c-Vingança Pública: Com uma maior organização social, surge, no seio das comunidades, a figura do chefe ou da assembléia. Os crimes deixam de ser somente à pessoa ofendida e passa a ser , também, e principalmente crimes ao Estado, e à sociedade. Portanto a pena perde sua índole sacra para transformar-se em um sanção imposta em nome de uma autoridade pública, representativa dos interesses da comunidade. Não era mais o ofendido ou mesmo os sacerdotes os agentes responsáveis pela punição, mas o soberano, o príncipe. Este exercia sua autoridade em nome de Deus e cometia inúmeras arbitrariedades. A pena de morte era uma sanção largamente difundida e aplicada por motivos fúteis. Usava-se mutilar o condenado, confiscar seus bens e extrapolar a pena até os familiares do infrator.
Entretanto, considera-se  que surge aí um grande avanço para  o direito, no fato de a pena não ser mais aplicada por terceiros, e sim pelo Estado.

2.      Período Humanitário. 
Nos séculos XVII e XVIII havia um grave conflito de interesses entre os burgueses e a nobreza. Surgiu, então, um sistema de idéias que deu origem ao liberalismo burguês. Essas idéias ganharam destaque através do Iluminismo ou Filosofia das Luzes e transcorre  durante o lapso de tempo compreendido entre 1750 e 1850. Tendo seu início no decorrer do Humanismo, esse período foi marcado pela atuação de pensadores que contestavam os ideais absolutistas da Idade Média. O período humanitário surge como reação à arbitrariedade da administração da justiça e contra o caráter atroz das penas. Os iluministas, em geral, defendiam uma ampla reforma do ensino, criticavam a intervenção do Estado na economia e achincalhavam a Igreja e os poderosos. Pregava-se a reforma das leis e da administração da justiça penal. Foi evidentemente os escritos de Montesquieu, Locke, Voltaire, D’Alembert, Russeau e Beccaria  que prepararam o advento do humanismo e o início da radical transformação liberal e humanista do Direito Penal. 
            Os princípios básicos pregados pelo jovem Beccaria firmaram o alicerce do Direito Penal moderno, e muitos desses princípios foram adotados pela declaração dos Direitos do Homem, pós a  Revolução Francesa. Nessa época surgiram algumas escolas de pensamento tais como:

a-      a Escola do Direito Natural, (humanista):
De Hugo Grócio, Hobbes, Spinoza, Puffendorf, Wolf, Rousseau e Kant. O jusnaturalismo, como se firmou, prolonga-se até a atualidade. Os princípios mais apontados referem-se ao direito à vida, à liberdade, à participação na vida social, à segurança, etc.

b-      a Escola Clássica, (humanista):
            Formada por escritores, pensadores, filósofos e doutrinadores que adotaram as teses ideológicas básicas do iluminismo.

Três grandes jurisconsultos podem ser considerados como iniciadores dessa escola: Gian Domênico Romagnosi, na Itália, que concebe o Direito Penal como um direito natural, que deve ser exercido mediante a punição dos delitos passados para impedir dos crimes futuros; Jeremias Bentham, na Inglaterra, que considera que a pena se justifica por sua utilidade de impedir que o réu cometa novos crimes, protegendo, assim a coletividade, e Anselmo Von Feuerbach na Alemanha, que opina que o fim do Estado é a convivência dos homens conforme as leis jurídicas coagindo a eles física e psicologicamente, para punir e evitar o crime.     
Dois grandes períodos se distinguiram durante o classicismo  o filosófico ou teórico onde se destaca a incontestável figura de Beccaria e o jurídico ou prático, onde aparece o mestre de Pisa, Francisco Carrara.
No que tange à finalmente da pena, havia no âmago da Escola Clássica, três teorias:
1.      a Absoluta – que entendia a pena como exigência de justiça;
2.      a Relativa – que assinalava a ela um fim prático, de prevenção geral e especial;
3.      a Mista – que, resultando da fusão de ambas, mostrava a pena como utilidade e ao mesmo tempo como exigência de justiça.

3- PERÍODO CIENTÍFICO 
 Após o período humanitário, por volta da metade do séc. XIX, teve início o Período Científico ou também denominado Criminológico, tendo como característica principal a busca dos motivos que levam o ser humano a delinquir  Podemos mencionar aqui algumas escolas, que a partir de então, se sucedem no tempo até a atualidade:

a - Escola Positivista; (científico criminológico)
 Surge em contraposição à escola clássica que, influenciada pelos avanços científicos surgidos durante o séc. XIX, como as teorias de Darwin e Lamarck, e principalmente pelo pai da sociologia, Auguste Comte. Seu método, ao contrário dos clássicos que usavam o dedutivo, baseia-se numa investigação experimental indutiva. A pena teria por fim a defesa social e não a tutela jurídica. Como expoentes de maior vulto desta escola temos: César Lombroso, Enrico Ferri e Rafael Garofalo.
César Lombroso, psiquiatra italiano, publicou em 1876 o que seria a obra-prima da Escola Positiva, O Homem Delinquente  dando início à Antropologia Criminal. Segundo a teoria lombrosiana, certos homens, por fatores biológicos, nascem criminosos, como outros nascem loucos ou doentios. Figurava ele o criminoso nato caracterizado por umas particularidades animais. Embora tenha cometido alguns exageros na definição do criminoso nato, a ideia de uma tendência para o crime não foi sepultada com Lombroso. Estudos feitos por geneticistas tem levado à conclusão de que elementos recebidos por herança biológica, embora possam não condicionar um "modus vivendi", influem no modo ser do indivíduo.
Enrico Ferri, considerado o maior vulto da Escola Positiva, criador da Sociologia Criminal, busca entender a causa do crime além dos fatores antropológicos expostos por Lombroso. Ou seja, as condições do meio em que o delinquente vive e também os fatores físicos. Classificou os criminosos em: nato, louco, habitual, ocasional e passional. Dividiu as paixões em sociais e anti-sociais. Considerava que as penas deveriam durar o tempo que levasse para reajustar o condenado, ou seja, não poderia ser estipulada a priori.
Rafael Garofalo publicou sua principal obra, Criminologia, em 1885. É considerado por muitos o iniciador da fase jurídica da Escola Positiva, encerrando, assim, o entendimento do crime como algo dotado de fatores antropológicos (Lombroso), sociais (Ferri) e jurídicos (Garofalo). "Para ele, o delinquente não é um ser normal, mas portador de anomalia do sentimento moral".

b - Terceira Escola (científico criminológico):
A Terceira Escola tentou conciliar preceitos clássicos e positivos. Seus expoentes foram Bernardino Alimena, Giuseppe Impalomeni e Carnevale. Os postulados mais importantes seguidos por esta escola são:
1- a substituição do livre-arbítrio dos clássicos pelo critério da voluntariedade das ações;
2- considera o delito como um fenômeno individual e social, como pregavam os positivistas;
3- reconhece o princípio da responsabilidade moral de Escola Clássica;
4- a pena, dotada de caráter ético e aflitivo (pensamento clássico), tem por fim a defesa social (pensamento positivista).

c-      Escola Moderna Alemã (científico criminológico):
            Surge na Alemanha, por volta do último quartel do séc. XIX, considerava o crime um fato jurídico, com implicações humanas e sociais. Combate a ideia de Lombroso acerca do criminoso nato, contudo aceita que os fatores individuais e externos (físicos, sociais e econômicos), são motivos para a formação do delinquente  Von Liszt é o principal representante dessa escola. É dele a teoria de que a pena tem tanto a função preventiva geral (em relação a todos indivíduos) quanto especial (recaindo particularmente sobre o delinquente).

Outras Escolas:
Nesse período, surgem outras escolas como o Neoclassicismo, o Neopositivismo, a Constitucionalista, a Programática e a Socialista.

 CONCLUSÃO
               Examinando a História e observando-se a evolução do Direito Penal, num primeiro momento, acredita-se que ele conseguiu traçar uma linha evolutiva. Houve um processo de acumulação quantitativo que leva a um aprimoramento qualitativo. Como o direito é fruto das condições históricas em que está inserido, o modelo penal então vigente em determinada época da história é vinculado às condições do momento. Contudo não podemos dizer que o sistema jurídico que hoje em dia empregamos seja superior, ou mais avançado, ou mesmo mais evoluído que outro utilizado na Antiguidade. Seria um grande erro, pois aquele direito da Antiguidade, era o que as condições da sociedade daquela época podiam criar. Porque o direito é uma criação humana.
              Então, o Direito Penal tem que ser condizente com a realidade da época em que se propõe a reger as atividades humanas. O que não tem acontecido no direito brasileiro. Nosso atual Código Penal já não mais está espelhando nossa sociedade, havendo, pois, uma extrema necessidade por aprimoramentos. Descriminalizar uma série de crimes, que já não mais são considerados como tais pela sociedade. Criminalizar outros fatos, principalmente o relacionado com o desvio de verbas públicas, se já existentes, operacionalizá-las de modo satisfatório para o bem coletivo.
               Como a pena de prisão é algo tão drástico que marca o condenado de forma indelével pelo resto de sua vida e não atinge os fins a que se destina. A proposta de uma intervenção penal mínima parece ser a mais indicada para a atual situação. A aplicação das penas alternativas ao invés das privativas de liberdade apresenta-se como o caminho a ser seguido. E um retorno ao estudo de outras áreas que estão intrinsecamente relacionadas com o Direito Penal, como a criminologia, a vitimologia, a política criminal, a antropologia, a sociologia, a psicologia, a penalogia e outras ciências, mostra-se necessário para uma melhor compreensão do objeto que é a Justiça Penal. Aqui pode residir o problema-chave da criminalidade, pois a violência somente será combatida de forma eficaz quando os males gerados pela exclusão social forem abrandados.         


BIBLIOGRAFIA
Maércio Falcão - Evolução Histórica do Direito Penal - In: Jus Navegandi, n.34. disponível no Site http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=932.
           NORONHA, E. de Magalhães. Direito Penal. v. 1, 23ª. ed. São Paulo: Saraiva, 1985.


[1] vin.di.car v. Tr. dir. 1. Reclamar a restituição em nome da lei. 2. Exigir a legalização de. 3. Defender, justificar. 4. Reaver, recobrar. Vindita = quem vindica.    
[2] Ut = para que, de tal forma, quando, como   SUPRA= sobre  Up supra = De tal forma acima- decisão superior

JOSENILTON DE SOUSA E SILVA - acadêmico de direito da Faculdade UNAERP Guarujá.

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